Fotos de cenas: Cinema, música e teatro em Porto Alegre

A exposição reúne imagens fotográficas capturadas pelo cineasta e músico Carlos Gerbase entre 1974 (quando tinha 15 anos) e 2025. Em mais de 50 anos de trabalho com câmeras analógicas e digitais, transitando entre sets de filmagem, salas de ensaio, teatros, bares e casas de espetáculo, Gerbase reuniu um acervo bastante representativo do cenário cultural da cidade.

Centenas de artistas estão representados na exposição. Na música, destaque para Elis Regina (em espetáculo no Teatro Leopoldina), Graforréia Xilarmônica, Jimi Joe, Júpiter Maçã, Os Replicantes e Wander Wildner. Entre os espetáculos de teatro, algumas peças icônicas, como Macunaíma (na famosa versão de Antunes Filho), A Lata de Lixo da História (encenada por Luciano Alabarse), School’s Out (do grupo Vende-se Sonhos) e Bailei na Curva (em montagem recente, dirigida Julio Conte).

No cinema, há um grande desfile de atrizes e atores, tanto gaúchos como de outros estados, que estiveram em dezenas de filmes realizados no Rio Grande do Sul: Maitê Proença, Maria Fernanda Cândido, Werner Schünemann, Luciene Adami, Alice Braga (em sua estreia no cinema), Marcos Breda, Lázaro Ramos, Júlio Andrade, Luana Piovani, Leandra Leal, Camila Pitanga, Pedro Santos, Renato Campão e muitos outros.

É um mergulho, ao mesmo tempo documental e intimista, em cenas musicais, teatrais e cinematográficas do passado e do presente.

as obras
São 40 displays 60x60cm, 7 displays 66x96cm e 2 displays 80x80cm, além de um adesivo de grandes proporções. Também serão expostos os modelos de câmeras utilizadas pelo artista em sua trajetória, acompanhadas por cópias antigas em papel fotográfico e algumas impressões digitais “vintage”, ilustrando como as diversas tecnologias influenciaram nos produtos finais ao longo do tempo.

artista

(Porto Alegre, 1959). Começou a fotografar ainda criança, influenciado pelo pai médico (e fotógrafo amador) e por um de seus irmãos mais velhos, que tinha um laboratório fotográfico em casa. Gerbase fez o curso profissionalizante de fotografia no Colégio Anchieta, com o professor Marcelo Souza. Com 15 anos, realizou seus primeiros “trabalhos” fotográficos: duas fotonovelas solicitadas por professores de Literatura. Passou a fazer cinema em 1979, na bitola super-8, ainda quando cursava Jornalismo. Em 1983, codirigiu o longa-metragem “Verdes Anos”, marco importante do cinema gaúcho, dando início a uma carreira no meio audiovisual que se estende até hoje. Além de escrever roteiros e dirigir, Gerbase costumava atuar como fotógrafo de cena. Em 1984, fundou a banda de punk rock “Os Replicantes”, de que foi baterista, principal letrista e vocalista até 2002. Teve uma carreira acadêmica por 40 anos: integrou a equipe docente do Pós-Graduação em Comunicação Social da PUCRS e, na mesma universidade, participou da criação do Curso Tecnológico de Produção Audiovisual, de que foi o primeiro coordenador. Fez o pós-doutorado em cinema na Universidade Sorbonne Nouvelle – Paris 3. Seu longa-metragem mais recente, “Bio: construindo uma vida”, recebeu três Kikitos no Festival de Cinema de Gramado de 2017. É sócio da Prana Filmes, uma das mais importantes produtoras cinematográficas do sul do Brasil.

curadoria
A curadoria de Juarez Fonseca e Eduardo Aigner agrupa a maioria das imagens em montagens jornalísticas, criando uma ordem cronológica para a visitação, e ao mesmo tempo abrir espaço para algumas grandes ampliações, destacando as fotos pelo seu valor estético.

Jornalista desde 1970. Atuou em vários veículos de Porto Alegre, mas principalmente no jornal Zero Hora, onde atuou de 1970 a 1996, e para onde retornou, como colunista, em 2013, permanecendo até 2024. Em Zero Hora, foi crítico de música, editor do Segundo Caderno, da Revista ZH e do caderno Cultura. Foi comentarista de música da Rádio Gaúcha, da RBS TV e da TVE. Pesquisador da música brasileira, produtor de shows e discos, entre outros o LP coletivo Paralelo 30 (1978), os de Renato Borghetti, Telmo de Lima Freitas, Leopoldo Rassier, Victor Hugo, Carlinhos Hartlieb, Barbosa Lessa e Suzana Maris. Autor de livros como Ora Bolas, sobre Mario Quintana; Gildo de Freitas, o Rei dos Trovadores; Neugebauer, uma História (sobre a primeira fábrica de chocolates do Brasil, fundada em 1891, em Porto Alegre) e dois volumes de entrevistas Aquarela Brasileira (anos 1970 e 1980)  Integrou o Conselho de Ética do Sindicato dos Jornalistas RS. Foi coordenador de Música da Secretaria da Cultura de Porto Alegre, membro do Conselho Estadual de Cultura do RS, chefe da assessoria de imprensa da Secretaria da Cultura do Estado, membro do Conselho Deliberativo da TVE. Jurado dos principais festivais no RS e no país. Foi editor de Cultura do Jornal da Universidade/UFRGS de 1997 a 2004. De 1996 a 2012 foi colunista de música do jornal ABC Domingo, de Novo Hamburgo, e da revista de cultura Aplauso, de Porto Alegre. Também publicou textos em veículos de São Paulo e Rio de Janeiro, como Veja, O Globo e Jornal de Música. Integrou comissões de seleção do Projeto Rumos – Itaú Cultural, do Programa Natural Musical, do Projeto Pixinguinha, entre outros. Em 2023 foi um dos quatro homenageados do Prêmio Profissionais da Música, em Brasília. Em 2024, foi patrono da VII Feira do Livro de Canguçu, sua cidade natal. Curador de projetos musicais como Unimúsica, Canções aos Pares e Música no Memorial do Ministério Público do RS.

 

(Porto Alegre, 1970) Já fotografou rãs, prédios, músicos, casas, gatos, panelas, pedras, livros, cadeiras, fábricas, amigos, namoradas, folhas, personalidades, paisagens, brinquedos, tempestades, banheiras, atores, árvores, campos, cavalos, computadores. Estudou arquitetura, descobriu a fotografia, e segue transitando em ambos os mundos. Principais mostras:

  • MemoPOA em parceria com Anderson Astor e Marcelo Curia. Projeto premiado pelo Fumproarte/SMC/PMPA em 2015. Exposição na Galeria dos Arcos, Usina do Gasômetro, 2016;
  • Um – projeto vencedor do 2o Prêmio de Fotografia Casa de Cultura Mário Quintana, e resultado da bolsa exposto na Galeria Xico Stockinger da CCMQ, 2005;
  • Projeto Anônimos em parceria com Guilherme Llantada e Marcio Lana. Projeto premiado pelo Fumproarte/SMC/PMPA em 1997. Exposição de 100 fotografias 100x100cm na Usina do Gasômetro em 2000.

texto curatorial

O ano do nascimento de Carlos Gerbase deixou várias marcas para o futuro. Leonel Brizola torna-se governador do Rio Grande do Sul. Os revolucionários Fidel Castro e Che Guevara vencem as forças de Fulgêncio Batista em Cuba. A sonda russa Lunik II fotografa o lado escuro da Lua. Na música, Roberto Carlos grava o primeiro disco, morrem Villa-Lobos, Billie Holiday e Dolores Duran. No cinema, morre Cecil B. DeMille…

Caio Fernando Abreu diria que Gerbase é um aquariano predestinado. Discípulo virginiano de dona Emma de Mascheville, que veio cedo da Europa para se tornar uma lendária astróloga em Porto Alegre, o escritor Caio F. vislumbraria alguns caminhos e aptidões ao fazer o mapa astral de Gerbase – como fez o meu. Mas a astrologia não é uma ciência exata e ele não conseguiria prever que esses caminhos e aptidões fossem tantos.

Quando o adolescente Gerbase fotografava os jovens participantes do Festival Anchietano da Canção, duas dessas aptidões se manifestavam: a fotografia e a música. Na hora de escolher a faculdade, ele não seguiu como tantos a carreira do pai José, médico da Santa Casa. Influenciado pela curiosidade da mãe Léa, que lia muito e falava inglês, francês e alemão, optou pelo curso de Jornalismo. Do pai, herdou a paixão pelo Grêmio.

Pode parecer lugar-comum, mas com o tempo Carlos Gerbase tornou-se o chamado homem dos 7 instrumentos – ou mais. Vejamos: fotógrafo, jornalista, compositor, cantor, baterista, cineasta, professor universitário, contista, romancista – e com esta exposição, pesquisador, historiador… Sim, aqui temos 50 anos de ação, um resumo fotográfico de seu trabalho de sua atuação em música, teatro, cinema.

Percorrendo esse meio século, temos o registro de parte substancial da vida cultural de Porto Alegre, rica, diversa, única e insubstituível. Temos nascimentos e saudades, inícios e fins. A mostra “Fotos de Cenas” é uma viagem na nave/avião/ônibus/carreta de Gerbase. Carlos Gerbase, um pensador/realizador a quem o Rio Grande muito deve e que segue com ideias e projetos que partem dele pensando nos outros, pensando no geral.

Pensei aqui em dedicar umas linhas aos Replicantes (o punk contra a caretice), aos mais de 30 filmes curtas e longas, como o já clássico Verdes Anos (uma geração em cena), às séries para a televisão, aos tantos livros (o último, As Willis: sexo, morte e escaravelhos, de 2024), aos shows que ele segue fazendo e fotografando. Pensei em falar da eterna musa Luciana Tomasi, da vida em família, dos amigos que estão nas fotos, como Wander Wildner e Jimi Joe. Mas…

Muito obrigado por tudo, Gerbase!

Entre a Rolleiflex 3,5E de 1974 e a Rollei Magic de 2024, uma imensidão de luz passou pela lente do Gerbase. Fotografia é o desenho com a luz e esse conceito básico guiaria Carlos pelas múltiplas disciplinas que percorreu em sua já cinquentenária carreira, apresentada e comemorada nessa exposição.

Nesse meio século de ofício a tecnologia mudou, novas câmeras e lentes chegaram, trocamos o sal de prata por pixels, o ampliador pelo computador, e seguimos em frente. Para nossa sorte o olhar do autor não mudou, ao contrário: evoluiu e expandiu-se.

A fotonovela O Marginal, encenada e registrada nas cercanias da Rua Santo Inácio em Porto Alegre na primeira metade dos anos 70, é a estréia do futuro autor de cinema na direção. Fotografia em 35mm era naquela época um hobby bastante usual, porém médio formato era coisa de profissional! A Rolleiflex, câmera de filme 6x6cm com excepcional qualidade ótica, era a ferramenta de trabalho de nomes como Sioma Breitman, um dos maiores retratistas dessa cidade.

Já sob luz vermelha os filmes eram processados pelo guri no porão da residência da família: os Kodak Tri-X eram revelados em D76 ou Microdol-X, químicos populares à época. E isso é assunto nerd! Ainda nessa década fotografaria Elis Regina no Teatro Leopoldina, dessa feita com longa teleobjetiva e filme 35mm, Festival da Canção Anchietana de 1976, e o show que deu nome ao filme Deu Pra Ti Anos 70, de Nei Lisboa e Augustinho Licks. Os ensinamentos fotográficos de seu irmão Zeca seriam valiosos. Poucos anos depois de O Marginal Gerbase estrearia na direção de longa-metragem com Inverno (1983), filme em Super-8 vencedor do Festival de Cinema de Gramado.

Antes da chegada da imagem digital Carlos fotografou a cena cultural gaúcha sempre em filme p&b, seja 35mm ou 6x6cm. E mais: foi o laboratorista responsável por processar esse material. Sabemos que a imagem latente, não revelada, pode e deve sofrer diversos processos químicos antes que se transforme em uma cópia sobre papel. Nesse caminho o técnico (ou como prefiro: o artesão) vai colocar sua sabedoria e conhecimento em sua vantagem. Dessa maneira, diferentes formulações químicas vão resultar em melhores fotografias. Como exemplo segue a clássica “puxada” do filme! De preferência o admirável Kodak TriX de 400 “asas” (iso 400 em linguagem atual) fotografado em 800, 1600 ou até 3200. Procedimento necessário em situações de pouca luz, e que garantiria lindas imagens com um grão grosso muito característico. Filmes fotografados assim devem ser tratados de forma completamente diferente no laboratório e, dessa forma, percebe-se que a magia do quarto escuro é um tema deveras infinito. Não à toa, a gurizada tem voltado com força ao filme fotográfico.

O baterista de Os Replicantes registrou tudo da banda, muitas vezes com o self timer de sua Minolta SRT-101. Antes do smartphone, era a forma do retratista entrar em cena. Funcionava como um relógio e bastava não mais do que um tripé bem posicionado, foco correto e alguma paciência. O cara, que já era cineasta, usaria também iluminação contínua “quente” e, de modo muito criativo, um projetor de slides como fonte de luz nessas fotografias. A Vortex, que foi o selo da banda, além de bar e estúdio, rendeu imagens clássicas do rock gaucho, com artistas importantes como a Graforréia Xilarmônica, 3D, ORTN e Kadafi.

Por volta da virada do milênio as digitais chegaram. Assustadoras câmeras sem filme com qualidade sofrível, mas muito práticas. Logo fotografias em cor passam a fazer mais sentido, e o controle que o fotógrafo exerce sobre a imagem final vai crescendo. Kodak D-120, Olympus C-5050,S ony Alpha 7R e finalmente Nikon D7000 foram as câmeras (e nunca “máquinas”) de trabalho do Gerbase. Mais recentemente um scanner pra digitalizar os filmes de décadas antes, e cá estamos.

Muitas fotografias, muitos filmes, peças teatrais e shows depois, a velha Rollei volta em 2024 nos bastidores do filme A História Mais Triste do Mundo. Dessa vez uma Rollei Magic 6x6cm produzida ao final dos anos 60 pela prestigiosa firma alemã Franke & Heidecke. Não a mesma câmera de 50 anos antes, mas o mesmo formato e o mesmo espírito criativo!

abertura
13 de junho de 2025, 19h

visitação
até 13 de julho de 2025

Conversa com artistas e curadores 
13 de junho, sexta-feira, às 17h, sala 3