A terra é tudo de certo modo

A mostra traz trabalhos imersos em uma grande instalação. O desenho está presente em obras bidimensionais que criam corpo em um espaço contínuo criado pelo caminho da terra. Esta surge na instalação como o elemento conector que é também um convite para fazer parte, “pisar na terra”.
Este convite metafórico, mas também real, remete, para além das questões de origem, pertencimento e reflexão sobre a nossa natureza, à dimensão do desenho que olha para as beiras, as soleiras das calçadas, que busca nas fissuras das cidades por plantas de nascimento espontâneo surgindo nos locais mais improváveis.
Tais plantas presentes nas gretas das cidades, obrigam a olhar para baixo para serem vistas. Aqui a alteração das escalas favorece o olhar e traz da invisibilidade, até mesmo de um lugar de rejeito, plantas que a partir da percepção  da artista tem imenso valor, tanto como integrantes do todo da natureza, quanto como elementos de estudo dentro do trabalho em desenho.
A artista busca texturas, superfícies, volumes, que vão além do desejo da representação, mas apresentar pelo modo de ver, o lugar para onde olha e o que vê quando olha. Assim plantas consideradas “daninhas” são apresentadas com a mesma grandeza que árvores, uma nos convida a olhar para baixo e outra a olhar para cima.
Através dos recursos do desenho, e a partir do diálogo entre dois artistas que pensam o desenho, muito mais que a artista e o curador, propõe um caminho, uma relação.
Os trabalhos evidenciam sua presença, muito distinta de quando os vemos em imagens, aqui se corporificam e são um convite para que o corpo do visitante possa se relacionar com os corpos dos trabalhos ou de um grande trabalho que é toda a exposição.

obras

  1. Pise na terra, 2023, instalação, 5 placas de madeira com terra, medidas variadas
  2. Palán palán, 2023, instalação, desenho sobre tela, 230x150cm.
  3. Cabreúva (árvore do caburé), 2023, Série Árvores Nativas, desenho sobre papel, 200x153cm.
  4. Curiúva (madeira de pinho),2023, Série Árvores Nativas, desenho sobre papel, 200x153cm.
  5. Esta árvore nunca vai morrer, 2023, desenho de lápis grafite sobre papel 153x230cm.
  6. Até atingir as dimensões do céu, 2022, Desenho de lápis crayon, grafite e carvão sobre papel, 153x104cm.
  7. Só habita com intensidade aquele que soube encolher, 2022. Desenho de lápis crayon, grafite e carvão sobre papel, 153x150cm.
  8. A imagem vem antes, 2022. Desenho de lápis crayon, grafite e carvão sobre papel, 153x203cm.

a artista

Doutora em Artes Visuais, com a tese Às margens do desenho: uma investigação sobre rastros, resíduos e marcas do processo de criação, (PPGAV/UFRGS, 2022). Mestra em Artes Visuais (PPGAV/2014). Possui Especialização em Pedagogia da Arte (PPGEdu/2012), bacharelado em HTCA (2010) e Desenho (2006), todos pela UFRGS. É Artista Visual com atuação também nas áreas da arte e educação em espaços formais e não formais, ministrando cursos e palestras em paralelo à carreira de artista visual. Faz parte do grupo de pesquisa Arte & Natureza, Processos e Poéticas Híbridas, e sua pesquisa parte do olhar para plantas periféricas e do estudo das relações que estabelecemos com o lugar, o sentido de centro e periferia e o desenho como resíduo. Tem participado de projetos e exposições onde apresenta os processos de sua pesquisa artística, como na residência artística com o projeto Presencias Verdes – Zonas de Cooperación, Sala Taller, EAC – Montevideu, UY (2023); exposições Às margens do desenho, exposição individual, Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, IA/UFRGS – Porto Alegre – RS (2022); O lugar costuma ser o centro, exposição individual , Instituto Adelina – São Paulo – SP (2020), Topofilias, exposição individual, MARGS, Porto Alegre – RS (2016). Para saber mais sobre a artista e acompanha-la em suas redes visite o site:claudiahamerski.com.

o curador

Mestre em poéticas visuais pela UFRGS, produziu projetos como Areal, Lomba Alta e Dois Vazios. Realizou mais de uma dezena de filmes e instalações audiovisuais e publicou, entre outros, os livros Consciência errante, Soma e Deriva de sentidos. Foi curador associado da 30ª Bienal de São Paulo – A iminência das poéticas e co-curador da representação brasileira na 55ª Bienal de Veneza. Em 2021, juntamente com Paulo Herkenhoff, realizou Arquiperiscópio, exposição individual com caráter retrospectivo que ocupou os quatro andares do Oi Futuro no Rio de Janeiro. Entre suas principais premiações destacam-se o Programa Petrobrás Artes Visuais – ano 2001; o Prêmio Funarte Conexões Artes Visuais, 2007; o Projeto Arte e Patrimônio 2007; o Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais 2009; o V Prêmio Açorianos de Artes Plásticas; o Prêmio de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça – 6ª Edição; o Prêmio Funarte de Arte Contemporânea 2014, em 2014; o XV Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia 2015; e o Prêmio Sérgio Milliet da ABCA pelo livro Artes Visuais – Ensaios Brasileiros Contemporâneos. Nasceu em Porto Alegre, RS, em 1974.

texto curatorial

O desenho é imagem; e a imagem, como quase todo desenho, é perspectiva, panorama, ponto de vista, modo de análise, horizonte. Extensão da ação, o desenho – esboçado, delineado, impresso, projetado, idealizado, introjetado, pensado – penetra, derruba, ultrapassa a espessura dos sentidos. Permitindo ver além, ampliando o espaço que a vista ou a mente abrangem, ele nos descortina uma outra extensão de compreensão que não a racional, um outro espetáculo que não o da encenação, um outro tempo que não o crônico: imaginação. Ação e efeito da criação, o desenho respira, se expande, faz aparecer o universo além das superfícies circunscritas e revela que imanência e transcendência podem ser experienciados em continuidade reversível: perspectiva poética. A capacidade de criar imagens (seja através do desenho, da fotografia, da impressão, da projeção, da instalação) dá sinais do limite do discurso; aquém do horizonte da linguagem estamos presos, talvez irremediavelmente, aos códigos e aos sistemas que organizamos para possibilitar a comunicação direta e inequívoca; entretanto, o que quer que resida além do panorama da alocução – difração, precessão, inversão, afastamento, espectro outro, separação do movimento temporal, abertura pela concentração de todas as durações – nos dão indícios da possibilidade de reintegração da origem com o originado, do todo com a parte, da previsibilidade com a entropia: faculdade da representação. De fato, a realidade – a natureza – talvez seja apenas aparência; mas o horizonte do sensível é sempre factual, é sempre provável, é sempre precipitação: concentração – no instante decisivo – da queda inevitável. O influxo do sensível em nossa experiência cotidiana não é mensurável – assim como não é possível definir o nível de incorporação das dimensões de influência da imagem em nossa percepção; mas, ao nos mostrar que é possível viver em um mundo regulado pela imaginação – sem que isso signifique abdicar da confluência com a racionabilidade –, o sensível afeta nossa existência mesmo quando não o assimilamos direta ou imediatamente. Não há desacordo; em tudo aquilo o que os discursos não podem alcançar sem serem anulados pela contradição, a imagem – e, neste caso específico, o desenho – nos oferta novas e compossíveis possibilidades de entendimento; o dia aparece na noite, o espaço irrompe no tempo, a alma se funde ao corpo, o espírito se consolida na matéria, o externo se revela no interno e a natureza se espelha em sua própria aparência – a imaginação absolve todos os pares de opostos que a língua antepõe: as raízes do sensível.

André Severo

abertura
10 de outubro de 2023, 19h

visitação
Até 12 de novembro de 2023, de terças a domingo, das 10h às 18h, inclusive feriados, com entrada franca.

prorrogada
A mostra foi prorrogada até 3 de dezembro de 2023

local
Fundação Ecarta (Avenida João Pessoa, 943, Porto Alegre).