Ligas Acadêmicas unem forças para incluir

Doação e Transplantes nos currículos da saúde

 

No sábado, 17 de maio, representantes das Ligas Acadêmicas de Doação e Transplantes de sete universidades gaúchas reuniram-se na Fundação Ecarta, em formato híbrido, para fortalecer o movimento que pleiteia a inclusão obrigatória do tema nos cursos de Medicina, Enfermagem e demais áreas da saúde.

“Profissionais concluem a graduação sem conhecer as nuances que vão da doação ao transplante, o que dificulta a evolução da área”, resumiu Marcos Fuhr, presidente da Fundação Ecarta. Há três anos, a Ecarta conduz o projeto + Doação e Transplante nos Currículos da Saúde, visitando coordenações de cursos e promovendo eventos como aula magna para 800 estudantes da Feevale, em 2022.

Participaram lideranças da ligas da Unisinos (Latos), da Ufrgs (Litros); da Ulbra (Latran), da UFCSPA (LigaTX), da PUC (Latos), da Univates (Latot)  e a Lidot, da Federal de Pelotas, além de professores, ativistas e transplantados.

Os participantes foram unânimes em defender a necessidade do tema constar como disciplina obrigatória pela sua importância em salvar vidas,  especialmente nos cursos de Medicina e Enfermagem.

Maria Antônia Saldanha, presidente da Latos (PUC), reforçou a importância de formar uma frente nacional para que o tema avance, apoiando sugestão da diretora-geral da Ecarta, a jornalista Valéria Ochôa. No encontro, ficou encaminhada a articulação coletiva das Ligas e outros agentes para ampliar o movimento iniciado pela Ecarta. Nova reunião vai ocorrer nos próximos dias.

Atualmente apenas duas universidades de Medicina oferecem uma disciplinar: a Ufrgs dispõe de Transplantologia e a UFCSPA oferece uma disciplina optativa com esta abordagem há 19 anos, coordenada pela nefrologista, a médica e professora Clotilde Druck Garcia, que também participou da reunião.

“O ideal seria que todas as universidades tivessem essa disciplina, mas na saúde é imprescindível tanto para aumento do número de transplantes como na formação, porque melhora muito a auto-estima, empatia e solidariedade com a sociedade, é uma disciplina inteligente, porque é muito mais provável que um familiar precise de transplante do que seja doador. Temos que continuar orientando os alunos para que sejam multiplicadores da nossa causa”, destacou comemorando que a partir deste ano a disciplina passa a ser de extensão. A Liga também completa 10 anos de atividades.

Importância do tema não se reflete na academia

O Brasil é um dos maiores transplantadores de órgãos do mundo. O RS transplanta todos os órgãos e é um dos principais centros transplantadores do país, porém sem a equivalência dessa importância refletida na academia. Mais de 60 mil pessoas aguardam em lista por um órgão no país, sendo aproximadamente três mil no estado.

Diferentes testemunhos das e dos estudantes enfatizaram a falta da temática na formação.

Para a coordenadora do projeto Cultura Doadora, Glaci Borges, as instituições formadoras têm um amplo potencial para o oferecimento de formação complementar e continuada de novos profissionais, inclusive no âmbito da pós-graduação lato e stricto senso. “A complexidade dessa modalidade terapêutica exige preparo especializado constante das equipes de profissionais de saúde envolvidos”, acentuou.

Ação sobre as universidades

Há três anos a Fundação Ecarta desenvolve o projeto + Doação e Transplante nos Currículos da Saúde, num movimento junto às coordenações dos cursos de Medicina, Enfermagem, Psicologia e Serviço Social para a ampliação da abordagem dessa temática após constatar esta lacuna.

Neste período visitou e contatou diferentes coordenadores de cursos de saúde em faculdades levando esta demanda. A Feevale, por exemplo, realizou aula magna de abertura do ano letivo para 800 participantes de 11 cursos da área em 2022.

“Fica evidente que, para além do déficit de disposição doadora na sociedade, existe uma grave deficiência de estrutura e de organização do sistema de saúde, e também de formação profissional voltada para a doação e os transplantes em nosso país, que precisa ser enfrentada a bem das milhares de pessoas que padecem nas listas de espera por um órgão ou tecido”, completou Fuhr.

Temas como ética no processo, funcionamento do Sistema Nacional de Transplantes e sua rede de centrais estaduais, as Organizações de Procura de órgãos (OPOs), as Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTTs), os potenciais doadores e os órgãos que podem ser doados, a doação inter-vivos, a capacitação para o diagnóstico de morte encefálica, manutenção do potencial doador e a  comunicação e entrevista com a família enlutada são alguns aspectos que integram a formação na área.

Vozes das ligas

Professor de medicina da Unisinos o cirurgião torácico e transplantador da Santa Casa de Porto Alegre, Spencer Camargo, presente na reunião destacou que ao chegar na universidade em 2019 incentivou a criação da Liga Acadêmica de Transplante de órgãos (Latos), criada em 2020, que mantém atividades regulares como palestras, simpósios e disseminação de informações para suprir a lacuna curricular.

“Trabalhar com transplante é um crescimento completo, é um desenvolvimento em toda uma rede, tem crescimento pessoal e  a gente tem entendimento de todo o país, das mazelas sociais e dos aspectos culturais e educacionais. Muitas áreas do transplante são aventuras de pessoas que se esforçam muito para que isso exista. Trazer a discussão ampla para faculdades e universidades é trazer para o domínio da comunidade. O transplante é uma forma de tratamento que só existe com o envolvimento da sociedade”, ressaltou Spencer Camargo.

Entusiasmada pela área dos transplantes, a estudante de Medicina Sofia Kieling integra a Latos há dois anos e faz a defesa da matéria nos cursos.

“Como acadêmica de enfermagem sinto muita falta, muitas vezes a pessoa se interessa mas não tem incentivo da universidade em si. Eu descobri por interesse próprio”, testemunha a estudante de enfermagem e vice-presidente da LigaTX, da UFCSPA, Marina Ribeiro e Souza. “É uma área tão nobre e com tantos campos de trabalho, mas muita gente não se interessa porque não sabe como funciona. Como acadêmicos, nós podemos incentivar os coordenadores dos cursos a destacarem o tema no currículo”, sublinhou.

“Não temos cadeira na Univates e a liga ajuda muito. Mas há tanta informação para agregar como futuros médicos que seria muito importante ter uma disciplina”, declarou a presidente da Latot, Milena Libardoni. “Busquei a liga para aprender porque não tinha nenhuma noção do assunto. Muito desafiador e surpreendente participar desse projeto, um assunto que sempre me interessou”, completou. “Ter esse momento de encontro com outras ligas e ver o que estão fazendo inspira novas formas de atuar”, completou a vice da Latot, Manoela Viegas.

“O transplante perpassa toda a Medicina e mesmo assim o tema é mal visto tanto por estudantes como a sociedade. É preciso desmistificar. Eu passei por isso. Entrei na Liga com interesse pequeno, mas cresceu muito e aprendo cada vez mais”, declarou Pedro Gemeli, da Ulbra.

Deram seus testemunhos também os transplantados de rim Adriana Teles e Moisés Waismann.

Negativa de doação supera os 40%

O despreparo profissional para a concretização de uma potencial doação e transplante após a morte encefálica é apontado como uma das diferentes causas da família para não autorizar a doação de órgãos, num percentual que passa dos 40%, enquanto, em média, cerca de três mil pacientes morrem todos os anos enquanto aguardam um órgão na lista de espera de transplantes. Esse número provém dos balanços anuais da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) e do Ministério da Saúde, que somam os óbitos registrados para todos os tipos de órgão.

Os participantes foram presenteados com o livro “Corrida contra o tempo – O que compromete a doação de órgãos e a eficiência do sistema de transplantes no Brasil” (Carta Editora, 248 páginas), publicado pelo Cultura Doadora no final de 2023.